No último ano e meio, muitos de nós tivemos que nos adaptar ao home office, aos ajustes e acomodações, demissões, reinvenções de carreira e recontratações. De acordo com uma pesquisa anual feita pelo grupo Conference Board nos Estado Unidos, mesmo antes da Covid-19, mais da metade dos norte-americanos achava seu trabalho insatisfatório, de
Os números acumulados mostram que os EUA estavam lidando com a insatisfação com o trabalho desde pelo menos o ano 2000.
De acordo com essa estatística, metade das pessoas com quem você trabalha todos os dias vive uma vida profissional que o escritor Henry David Thoreau teria descrito como de “desespero silencioso”.
Muitas pessoas também confundem autoestima com carreira, o que é infrutífero. Nossa infelicidade no trabalho se transforma em infelicidade na vida, o que só piora o quadro.
Não seria bom deixar de ter inveja daqueles que amam seu trabalho e se tornar uma dessas pessoas?
Há muitos conselhos de carreira por aí sobre como pedir um aumento, conseguir uma promoção, lidar com um chefe difícil, gerenciar equipes e assim por diante. Mas há muito pouco sobre a questão fundamental da felicidade na rotina do trabalho.
Os fatores que podem inclinar a balança de uma forma ou de outra para a felicidade no trabalho podem se resumir ao nosso desejo inato por três coisas: controle sobre nossas vidas, conexões diárias positivas e alegria e significado em como passamos nosso tempo acordado (metade dele no trabalho, para a maioria das pessoas).
Há uma maneira de integrar nossa necessidade de controle, conexão e significado. E ela é pelo “job crafting”, que pode ser traduzido como “emprego moldado à mão”. Esse é o termo usado pela psicóloga Amy Wrzesniewski, da Universidade de Yale, e por Jane E. Dutton, professora de administração de empresas e psicologia da Universidade de Michigan. Trata-se de “assumir o controle ou reformular alguns desses fatores”, conforme as duas escreveram em estudo sobre o assunto.
O problema não é o trabalho
Pessoas que não gostam de seus empregos (e elas são muitas) podem sofrer e reclamar sobre isso diariamente. Elas podem até estar cronicamente estressadas, um estado que tem consequências médicas graves, de hipertensão e doenças cardiovasculares à diminuição da saúde mental, de acordo com uma meta-análise de estudos da Stanford Graduate School of Business e da Harvard Business School.
Existem também fatores relacionados à felicidade no trabalho sobre os quais temos pouco controle, como o comportamento dos nossos chefes. Cerca de metade das pessoas que pediram demissão queriam “fugir do gerente”, de acordo com uma pesquisa Gallup recente. Os salários também são importantes.
Mas geralmente não decidimos quem é nosso chefe, e ele pode mudar repentinamente (para bem ou para mal). Quanto ao dinheiro, estudos mostram que esse fator tem apenas um efeito de curto prazo na felicidade.
Aumentando a satisfação no trabalho
Se você não pode mudar o chefe e a questão financeira não é o ponto principal, o restante pode ser mudado e a mudança está em suas mãos.
A pesquisa de Wrzesniewski e Dutton enfocou três fatores principais de maior satisfação no local de trabalho que estão dentro de sua esfera de influência:
1) refinar seu trabalho para adicionar partes de que você gosta e remover as que não gosta;
2) construir melhores relacionamentos com seus colegas; e
3) reformular seu trabalho para adicionar significado e propósito.
A pesquisa não é apenas teórica. As duas professoras e psicólogas escreveram um manual de instruções sobre como moldar seu trabalho com suas próprias mãos.
David G. Allan, diretor editorial da CNN Travel, Style, Science and Wellness, desenvolveu alguns exercícios práticos para obter a felicidade no trabalho. Confira:
1) Aja como um hacker para investigar seu trabalho
Comece fazendo três listas. De preferência, faça isso com uma boa xícara de café ou chá em um local tranquilo, durante o horário de trabalho, mesmo que seja em sua própria sala de estar durante o home office.
A primeira lista contém todas as coisas de que você gosta no seu trabalho, grandes e pequenas. A segunda lista todas as dificuldades e dores de cabeça do seu emprego, das mesquinhas às sistêmicas.
Já a terceira lista as coisas que você gostaria de fazer em seu trabalho e que atualmente não consegue – mesmo que elas não tenham nada a ver com o que você é pago para fazer. Você pode adicionar, por exemplo, “fazer mais pausas para o café para deixar a mente vagar”.
Em seguida, é hora de atacar sistematicamente os itens das listas dois e três. Procure, primeiro, algumas coisas fáceis de superar. Algumas você pode começar a adicionar e subtrair hoje; outras podem levar meses. Certos itens podem exigir a adesão de seu chefe (que, com sorte, será receptivo para aumentar sua felicidade no local de trabalho), mas muitos não. Algumas mudanças estarão diretamente relacionadas ao seu trabalho, enquanto outras serão apenas formas de aumentar a felicidade ou reduzir o estresse enquanto estiver lá.
É tudo progresso.
Seja criativo com essas listas. A criatividade em si é um impulsionador de bem-estar. Eu, por exemplo, vejo a escrita desta coluna como algo útil ao meu trabalho. Ao escrever estes textos, não só abordo benefícios para a empresa que estão ao meu alcance, como faço algo que me deixa feliz (e acrescenta significado ao meu emprego). Eu também tento fazer minha prática de exercícios durante o horário comercial, seja no intervalo do almoço ou correndo durante uma reunião online na qual não preciso falar, só ouvir. Ou seja, de novo é uma questão tanto de reduzir o estresse e melhorar a saúde e minha energia no trabalho, como também de me beneficiar pessoalmente.
Com o tempo, suas listas irão crescer e, conforme você risca itens, elas encolherão. Mas certifique-se de que, ao remover um item da segunda lista (coisas de que não gosta) e da terceira lista (o que deseja adicionar), registre a mudança na primeira lista (coisas de que você gosta em seu trabalho). Cada novo item da lista número um é mais um degrau na escada da felicidade no trabalho, e é bom olhar para baixo de vez em quando para ver o quanto ela cresceu.
2) Conviva bem com seus colegas de trabalho
Não dá para mudar todo o elenco de personagens com quem você trabalha. Mas você pode aprimorar cada um desses relacionamentos.
Saiba mais sobre o que os seus colegas querem no trabalho e ajude-os a alcançá-lo, mesmo se você não for o chefe deles. Torne as reuniões mais divertidas ou envolventes. Ajude a reduzir a duração, a participação obrigatória e a frequência dessas reuniões. Tente inserir um pouco de humor ao longo do dia.
Apenas conhecer melhor seus colegas (algo fácil, basta fazer algumas perguntas, até meio simples do tipo banda que gosta, série imperdível, programa favorito com os filhos, prato inesquecível) aprofunda sua conexão com eles. Quanto mais você estiver conectado, mais terá vontade de trabalhar com eles todos os dias. E se você está ansioso para interagir com seus colegas, vai gostar muito mais do seu trabalho como resultado. Você pode não gostar do que faz, mas pelo menos a Dani, o Rafael, a Cláudia e o Júnior estarão lá para alguma conversa interessante.
O benefício adicional desse segundo esforço é que ele aumenta a felicidade de seus colegas também, talvez ajudando-os a inclinar sua escala para o lado “satisfatório” e ir além.
3) Crie um novo cargo em sua cabeça
A pesquisa das professoras Wrzesniewski e Dutton se concentrou, em parte, em um grupo de equipe de limpeza do hospital. É um trabalho que a maioria das pessoas, sem o ter feito, pode considerar insatisfatório. Limpar macas e comadres e interagir com os doentes é o trabalho dos sonhos de poucas pessoas.
No entanto, elas descobriram que aqueles que relataram gostar de seu trabalho geralmente tinham reformulado cognitivamente o que faziam. O trabalho era o mesmo para todos, mas enquanto alguns pensavam que ele consistia em tarefas não criativas, aqueles que gostavam do emprego pensavam que desempenhavam um papel fundamental na cura dos pacientes. Um funcionário do hospital, por exemplo, se considerava um “embaixador da saúde”.
A questão não é apenas pensar diferente, porque isso tem efeito limitado quando nada mais muda. Mas pensar de forma diferente também alterou a maneira como eles realizavam o trabalho.
“É mais do que apenas uma mudança de mentalidade”, explicou a professora Wrzesniewski. “É uma mudança na sua abordagem ao trabalho. Se você pensa “Eu sou um embaixador da saúde no hospital”, isso muda o que você faz”.
No caso da equipe de limpeza do hospital, por exemplo, aqueles que se viam como cuidadores alertavam a equipe de enfermagem quando notavam algum sinal diferente num paciente ou ambiente.
Ao mudar o paradigma em torno de seu trabalho e adicionar significado e propósito, a equipe de limpeza do hospital tornou as partes mais difíceis da rotina toleráveis, até mesmo importantes, e mudou seu comportamento para apoiar esse propósito.
Você pode fazer isso no seu emprego?
Pense sobre o papel que você desempenha em uma estrutura mais ampla, que tem um efeito positivo nos outros, na cultura ou no meio ambiente. Você pode passar o dia inserindo dados, fechado numa baia, mas para que esses dados são usados? E como seu compromisso com a precisão e os detalhes são vitais para a eficácia desses dados? Você pode fazer tarefas repetitivas numa fábrica, mas está ajudando a construir algo de que as pessoas precisam ou que traz alegria a outras?
Como suas ações podem mudar quando você começar a ver as coisas dessa maneira?
Além de tudo o que o trabalho em si realiza, também há significado e propósito no que você faz com o seu salário. O sustento de sua família, por exemplo, é crucial na sua capacidade de prosperar. É importante (especialmente quando você está estressado, chateado ou infeliz) lembrar-se da segurança e das oportunidades conquistadas com seu salário. Só isso já pode lhe dar força em momentos difíceis no trabalho.
Integração
Integração ou “onboarding” é o termo que o pessoal de recursos humanos usa quando alguém começa em uma nova empresa para prepará-los para o trabalho e a cultura da empresa.
Agora é a hora de você se integrar em seu novo começo. Você está preparado. Você é o recurso humano que estava esperando.
Aqui está a última lição: esses três fatores – melhorar a forma como você passa o tempo, conectar-se com as pessoas ao seu redor e adicionar significado às suas tarefas – são igualmente vitais para o seu horário não comercial.
Fonte: com informações da CNN Brasil