Por Ricardo Menezes Cordeiro
1 Competência absoluta dos Juizados Especiais Fazendários
É inegável que a agilidade e a ausência de custo que encontramos nos juizados especiais fazendários (JEFAZ) resultam no acesso ao Judiciário!
Mas às vezes o ajuizamento da ação perante a Justiça Comum pode ser a melhor estratégia. Trago algumas razões:
1. Na Justiça Comum encontramos mais espaço para a utilização do contraditório e de instrumentos procedimentais visando o convencimento do juiz em questões novas ou não pacificadas pelos tribunais. Por outro lado, o rito célere dos juizados dificulta a demonstração da superação do entendimento ou da diferenciação da causa.
2. Na Justiça Comum temos mais possibilidades recursais. Por exemplo:
* Na Justiça Comum evitamos ter que enfrentar a barreira da repercussão geral no STF logo após a decisão de segundo grau. Já pelo JEFAZ, das decisões das turmas recursais cabe apenas o Recurso Extraordinário, em regra. Obs.: quando se tratar de uniformização de interpretação de lei, a competência será das Turmas de Uniformização dos Estados e do STJ;
* Outra vantagem na Justiça Comum é que nela podemos impugnar decisões interlocutórias. Já no JEFAZ há restrição legal para isso (artigo 4º da Lei 12.153/2009). Isso é necessário diante da celeridade do JEFAZ? Trago um exemplo de um JEFAZ aqui no RJ que insiste em dizer que base de cálculo e alíquota são a mesma coisa, suspendendo todas as ações que mencionem “ICMS sobre energia elétrica” ao argumento de estar a questão sobrestada por recurso repetitivo, ocorre que tal suspensão pelo STJ é para demandas que versem sobre o que pode compor a base de cálculo do ICMS sobre energia elétrica, não englobando as ações que versem sobre a alíquota com base na seletividade/essencialidade. Solução para o problema: para evitarmos essa suspensão que enseja uma barreira ao Judiciário precisamos agravar por autos físicos demonstrando a urgência e construindo uma hipótese de cabimento excepcional do agravo com base nos artigos 3º e 4º da Lei 12.153/2009, c/c inciso XIII, do artigo 1015 e inciso I, §13, do artigo 1037 (diferenciação), ambos do CPC, e ainda com o RESP 1.704.520, onde o STJ tratou da taxatividade mitigada do Agravo presente no artigo 1015 do CPC.
Contudo, mesmo sendo o ajuizamento na Justiça Comum mais vantajoso em determinadas situações, no processo tributário deve ser observada a competência absoluta dos Juizados Especiais Fazendários.
Vejamos alguns dispositivos da Lei Federal Nº 12.153/2009 pertinentes à matéria tributária:
Art. 2º. É de competência dos Juizados Especiais da Fazenda Pública processar, conciliar e julgar causas cíveis de interesse dos Estados, do Distrito Federal, dos Territórios e dos Municípios, até o valor de 60 (sessenta) salários-mínimos.
1º. Não se incluem na competência do Juizado Especial da Fazenda Pública:
I – as ações de mandado de segurança, de desapropriação, de divisão e demarcação, populares, por improbidade administrativa, execuções fiscais e as demandas sobre direitos ou interesses difusos e coletivos;
2º. Quando a pretensão versar sobre obrigações vincendas, para fins de competência do Juizado Especial, a soma de 12 (doze) parcelas vincendas e de eventuais parcelas vencidas não poderá exceder o valor referido no caput deste artigo.
4º. No foro onde estiver instalado Juizado Especial da Fazenda Pública, a sua competência é absoluta.
Art. 5º. Podem ser partes no Juizado Especial da Fazenda Pública:
I – como autores, as pessoas físicas e as microempresas e empresas de pequeno porte, assim definidas na Lei Complementar no 123, de 14 de dezembro de 2006;
II – como réus, os Estados, o Distrito Federal, os Territórios e os Municípios, bem como autarquias, fundações e empresas públicas a eles vinculadas.
Logo, interpreta-se daí que a competência será exclusivamente do JEFAZ quando:
1. O valor da causa for inferior a 60 salários-mínimos conforme o caput do artigo 2º, observando-se as parcelas vincendas conforme o seu §2º;
2. A matéria não estiver excluída pelo §1º do artigo 2º;
3. As partes estiverem previstas no artigo 5º;
4. Exista Juizado Especial da Fazenda Pública instalado no foro nos termos do §4º do artigo 2º.
Obs.: Isso é diferente da forma que se dá nos Juizados Especiais Cíveis, cuja competência de juízo é concorrente com a Justiça Comum, e cuja competência de foro (territorial) também é concorrente (“forum shopping”) nos termos do artigo 4º da Lei 9.099/1995.
No Rio de Janeiro, a competência absoluta dos JEFAZ para tratar matérias tributárias esteve suspensa entre 2010 (pelo artigo 10 do Ato Executivo n.º 6.340/2010 do TJRJ e artigo 49 da Lei Estadual n.º 5.781/2010) e 2017 (quando o Ato Executivo n.º 195/2017 do TJRJ o revogou).
Surgiu então um problema, o que fazer com as ações em curso na Justiça Comum após o início dos trabalhos pelo JEFAZ em causas tributárias em 2017?
Essa questão intertemporal foi tratada em alguns conflitos de competência perante o TJRJ:
CONFLITO DE COMPETÊNCIA nº 0069414-22.2019.8.19.0000 (julgado em 15/07/2020 pela 27ª Câmara Cível), onde se decidiu pela aplicação do princípio da perpetuação da competência – perpetuatio jurisdictiones – previsto no art. 43 do Código de Processo Civil, segundo a qual “determina-se a competência no momento do registro ou da distribuição da petição inicial, sendo irrelevantes as modificações do estado de fato ou de direito ocorridas posteriormente”, na medida em que o próprio legislador estadual, ao criar e ampliar a competência dos juizados fazendários, vedou a redistribuição das ações em andamento. Assim, a competência funcional – absoluta, portanto -, dos juizados fazendários para matérias tributárias somente pode ser observada após 12/12/2017, data da entrada em vigor do Ato Executivo TJ n.º 195/2017.
Todavia, de forma oposta:
nos CONFLITOS DE COMPETÊNCIA nº 0070433-63.2019.8.19.0000 (julgado em 09/07/2020 pela 21ª Câmara Cível) e 0081862-90.2020.8.19.0000 (julgado em 04/03/2021 pela 20ª Câmara Cível), o TJRJ passou a entender pela inaplicação do princípio da perpetuação da competência.
Por isso, mesmo que o ajuizamento na Justiça Comum tenha ocorrido antes de 12/12/2017, sugerimos adiantar o pedido de redistribuição dessas ações tributárias para os Juizados Especiais Fazendários (se forem destes a competência absoluta), objetivando-se a celeridade e a economia processual, pois provavelmente o juiz da vara de fazenda pública fará isso de ofício em algum momento do processo.
2 Suspensão de processos devido à afetação em RESP ou RE repetitivos
A regra no processo civil é da suspensão dos processos que tratem questões de direito afetadas pelo sistema dos recursos repetitivos previsto no artigo 1.036 e seguintes do CPC.
Isso é comum nas questões tributárias, onde as ações de massa são mais numerosas e demandam maior necessidade de pacificação da jurisprudência.
Por exemplo, é o que ocorreu em 2017 no STJ com o Tema/Repetitivo 986 que trata do que pode compor a base de cálculo do ICMS na energia elétrica, questão conhecida como TUST/TUSD na energia elétrica, ainda não julgada pelo STJ.
Uma característica das questões tributárias julgadas pela sistemática dos repetitivos é a grande possibilidade de modulação para que os efeitos[1] ocorram apenas a partir do trânsito em julgado da decisão, com o objetivo (ainda que velado) de não onerar os cofres públicos.
Este é o receio atual do contribuinte no caso da famosa discussão no RE 574.706 acerca do ICMS na base de cálculo do PIS/Cofins, cujos embargos de declaração acerca da modulação dos efeitos ainda não foram julgados.
Em outra causa tributária, no julgamento do RE 559.943 (junho/2008), o STF definiu que os processos ajuizados antes da decisão de modulação dos efeitos não poderão ser por ela afetados. O fundamento fora o respeito à segurança jurídica.
Por isso, mesmo que a questão tributária esteja suspensa por repetitivo, defendemos o ajuizamento da ação por dois motivos principais:
1. Para garantir o pleito do contribuinte diante de eventual modulação de efeitos onde se reconheça que terão o direito apenas aqueles que ajuizaram a ação até a data desta decisão;
2. o ajuizamento terá o condão de interromper a prescrição quinquenal que se operaria contra a pretensão do contribuinte. Isto é importante, uma vez que os repetitivos levam anos para serem julgados.
Obs.: Dessa forma, ajuizada a ação, o processo será suspenso desde seu início até que a questão de direito seja decidida no repetitivo, surgindo então duas possibilidades:
1. Havendo decisão pro-contribuinte, a tese deverá ser aplicada pelo juiz, sem margens para improcedência;
2. Sendo a decisão contrária ao contribuinte, este poderá desistir da ação até o oferecimento de contestação pela Fazenda Pública (importante que o advogado fique atento), nos termos dos parágrafos do artigo 1.040 do CPC, ficando (o contribuinte) isento do pagamento de custas e honorários sucumbenciais.
Vimos então que não há “contraindicações” na adoção dessa estratégia.
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[1] Lei 9.868/1999 (ADC/ADI). Art. 27. Ao declarar a inconstitucionalidade de lei ou ato normativo, e tendo em vista razões de segurança jurídica ou de excepcional interesse social, poderá o Supremo Tribunal Federal, por maioria de dois terços de seus membros, restringir os efeitos daquela declaração ou decidir que ela só tenha eficácia a partir de seu trânsito em julgado ou de outro momento que venha a ser fixado.
CPC/2015. Art. 927, §3º. Na hipótese de alteração de jurisprudência dominante do STF e dos tribunais superiores ou daquela oriunda de julgamento de casos repetitivos, pode haver modulação de efeitos da alteração no interesse social e no da segurança jurídica.
Fonte: Tributário