Novo tributo, nova legislação, nova doutrina e nova jurisprudência coexistindo, por longos anos — ninguém pode precisar quão longos, pois sempre poderão ser ampliados — com as anteriores legislações, doutrinas e jurisprudências.
A quem aproveita a criação de mais um imposto, que lança as empresas brasileiras num sistema tributário infernal?
Os empresários que, dia após dia, criticam o “custo brasil”, certamente não!
Os governantes que serão carimbados como piromaníacos, certamente não!
Então, a quem interessa a instalação no Brasil do estado do quanto pior, melhor?
Vendendo a panaceia da extinção do ICMS, do ISS, do IPI, do PIS e da Cofins, as propostas de reforma tributária em tramitação no Congresso Nacional visam a criação de um imposto incidente sobre o consumo de bens e serviços, o tal IVA, um imposto sobre o valor agregado que tem sido apresentado com diferentes denominações: IBS, IVA Dual, IVA Estadual etc.
Neste texto, ocupo-me somente da criação do tal IVA e a extinção do ICMS.
Os dois principais argumentos apresentados pelos defensores da criação do tal IVA é de que 1) esta é uma forma de arrecadar adotada por centenas de países e que ainda não foi adotada entre nós e de que 2) o ICMS é um imposto obsoleto que tem 27 legislações e que não abarca toda base do consumo de bens e serviços.
Ora, o ICMS é um autêntico IVA, pois ele é não-cumulativo e é cobrado em todas as etapas da produção e da comercialização, portanto, como sucessor do ICM, que foi instituído em meados da década de 1960, ele é um dos IVA mais longevos do mundo.
O ICMS, mesmo sendo um imposto instituído pelos estados e pelo Distrito Federal, tem ampla legislação nacional advinda tanto da Constituição quanto da Lei Complementar Federal 87/96, que é a lei que o regulamenta nacionalmente.
Com a existência de mais de cinquenta anos, o ICMS — o IVA brasileiro — está perfeitamente adaptado à economia brasileira e acumula robusta legislação, vasta doutrina e vastíssima e cada vez mais pacificada jurisprudência; definitivamente, é um total absurdo querer descartar toda essa bagagem e começar tudo — legislação, doutrina, jurisprudência, ajustes à economia — do zero, como pretendem os autores das propostas.
Mesmo sendo um dos impostos melhor administrado do país, o ICMS é bastante criticado com base em falácias como a das 27 legislações, que desconsideram tanto a ampla regulamentação nacional quanto as peculiaridades locais dos entes federados que o instituíram e, mais grave ainda, desconsideram que o Brasil não é um estado unitário, mas, sim, uma Federação o que, necessariamente, provoca divergências, muitas, inclusive, salutares, que engrandecem o todo e servem de importantíssimo antídoto contra devaneios ditatoriais.
É certo que o ICMS acumula deficiências — característica normal em qualquer tributo e, em especial, dos mais novos — como a badalada “guerra fiscal”, mas essa só acontece por deficiências do Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz), que é comandado pelo governo central que nada faz para melhorar o ambiente entre os entes federados nem para modernizar a Lei Complementar Federal 24/75 com a introdução, por exemplo, de penalidade por descumprimento dela como foi previsto no projeto original.
Também é certo que a legislação do ICMS é extensa, porém essa característica fica por conta das normas necessárias para formar todo o arcabouço legal (lei instituidora, regulamento, instruções normativas, resoluções, circulares etc) que atenda tanto a regulamentação nacional quanto a necessidade de ajustar o imposto às diversas peculiaridades das operações que se realizam no território do ente federado.
Ora, o novo imposto também necessitará de um arcabouço legal de âmbito nacional e também aquele que contemple todas as características de todos os entes federados o que deixará contribuintes, contabilistas, auditores-fiscais, advogados, juízes, procuradores, promotores, professores e tantos outros profissionais enredados em uma imensa teia burocrática de novos dispositivos legais que coexistirão por longos anos com as anteriores legislações.
O novo imposto também demandará novas disciplinas acadêmicas, especializações, carreiras de funcionários públicos fazendários e novas estruturas de arrecadação, fiscalização, administração, contencioso e de controle da repartição de receitas entre União, Estados e Municípios.
As propostas preveem que o novo tributo seja implementado ao longo de vários anos com a concomitante extinção do ICMS num processo lento e gradual a fim de que ele seja testado e ajustado para que não haja aumento da carga tributária total e que os entes federados não tenham suas receitas deprimidas, sendo que, para este ajuste da distribuição entre estados, DF e municípios, o tal IVA prevê uma transição de 50 anos; sim, meio século para ajustar a distribuição federativa sendo apresentada sem o menor pejo, o que denota a total falta de conhecimento dos autores das propostas sobre os reais efeitos do novo imposto.
Com caráter nacional e abrangendo todos os entes federados, por certo o ente federado União utilizará o seu desmedido poder para se impor como o gestor do novo tributo o que traz o forte risco de ser reproduzida a gerência das contribuições PIS/Cofins, que, de tão caótica, são campeãs dos grandes litígios como, por exemplo, foi o recente julgado pelo STF sobre a incidência do PIS e da Cofins sobre o ICMS cobrado nas operações sobre as quais incide, que ficou conhecida como a “tese do século”.
O dito manicômio tributário instalado no Brasil por essas contribuições passará de um localizado para um amplo e geral manicômio, ou seja, uma inferneira tributária. E dê-lhe o tal “custo Brasil”!
Pior, o ente federado União passaria a dominar praticamente toda a arrecadação tributária brasileira fazendo com que todos os ajustes necessários para a adaptação do novo tributo às realidades da economia de qualquer ente federado venham a depender de decisões de uma ainda maior burocracia do governo central; haja aviões, hotéis e infraestrutura em Brasília e haja discursos sobre o tal “custo Brasil” e sobre a deterioração do ambiente de negócios.
É necessário registrar que não faz o menor sentido a insistência em querer comparar o ICMS — o IVA brasileiro — com o IVA de outros países, pois nenhum país tem as características peculiares do Brasil: 26 estados, um Distrito Federal e 5.570 municípios (todos entes federados); 210 milhões de habitantes; 6 biomas; 8,5 milhões de quilômetros quadrados; cinco macrorregiões; fronteira com 10 países; 15 mil km de fronteira terrestre e 7 mil km de fronteira marítima.
Fonte: Contábeis